Hoje, voltando do hospital, me deparei com uma chuva que molhou o caminho até o carro. De um tempo para cá, sempre que sinto a chuva, lembro de uma mãe que conheci em uma consulta no CTI. Ela me ensinou lições profundas sobre o que significa cuidar, comunicar e entender o valor de uma vida.
Naquele dia, fui chamada para uma interconsulta com o filho dela, que tinha paralisia cerebral. Me disseram, de antemão, que aquela mãe nunca aceitaria cuidados paliativos. “Ela é apegada demais ao filho,” disseram. Fui para a consulta com o coração aberto, sem saber que seria eu quem aprenderia muito mais com ela do que poderia ensinar.
Ela começou dizendo: “Doutora, são 26 anos só nós dois. O pai dele morreu quando ele tinha 4 anos, e desde que ele nasceu, sempre foi assim: só nós dois. No quarto, todos os dias, nós dois.”
Com a voz suave e cheia de amor, continuou: “Faz sete anos que ele não é internado, mas antes disso foram muitas internações. Só que essa agora é diferente.” Parou, respirou fundo e compartilhou um sentimento profundo: “Meu filho já sofreu tanto. Ele nunca tomou um sorvete, nunca viu a chuva. A chuva, doutora! Ele nunca tomou banho de chuva. Mas, mesmo assim, ele sorria para mim. Eu via que ele estava feliz. Só que agora ele não sorri mais. Eu não quero que ele sofra. Viver sem sorrir não é vida para ele. Ele pode partir, doutora, desde que não precise mais sofrer.”
Aquelas palavras me tocaram profundamente. Aquela mãe compreendia o que significa viver e também o que significa saber a hora de deixar ir. Ela sabia o valor do sorriso do filho, e, mais do que isso, sabia que a vida é mais do que simplesmente estar presente fisicamente; é sentir, sorrir e, de alguma forma, ter paz.
Hoje, ao sentir a chuva, agradeci pela oportunidade de estar ao lado dela e de cuidar do seu filho até o fim. Agradeci pela chance de aprender que, em cuidados paliativos, não tratamos apenas sintomas. Tratamos vidas, histórias e afetos – e, às vezes, a maior prova de amor é saber respeitar o desejo de deixar a dor para trás.
Essa mãe sabia muito mais do que eu sobre valores e sobre vida. Ela foi minha professora naquele dia, e a chuva hoje, de alguma forma, me conectou novamente com tudo o que ela me ensinou.
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